Historinha: Nós e as camas de casal!

>> quarta-feira, 2 de setembro de 2009

(por Adília Belotti)



A Grande Cama de Ware, construída por um carpinteiro de Hertfordshire, na Inglaterra, em 1590, podia acomodar 15 pessoas, com folga! Hoje ela está no Victoria and Albert Museum, de Londres

Uma amiga me pergunta e eu fico curiosa: por que será que a gente inventou isso de dormir em cama de casal? Ele ronca, acende a luz, tem insônia, ela não consegue pegar no sono, quem disse que cama de casal era uma coisa linda?

Minha amiga tem razão de se preocupar. Descubro numa matéria do New York Times que problemas na hora de dormir são os grandes incentivadores de teorias as mais variadas sobre as vantagens das camas ou dos quartos separados, ou seja, segundo a reportagem, 3 de cada 10 casais cansam de não dormir por causa do parceiro e adotam essa solução.


E no entanto, compartilhar a cama com alguém que a gente ama é das coisas boas da vida, ao menos para a maioria dos casais. Na mesma matéria, descubro que para 62% dos casais uma boa noite de sono não vale o prazer de dormir agarradinho…”dividir a cama é como compartilhar um ninho, é onde encontramos segurança, conforto e confiança”, avisa Paul C. Rosenblatt, professor de sociologia e autor do livro Two in a Bed (Dois numa cama).


Tanta intimidade, ao contrário do que poderíamos imaginar, é coisa bem recente na história dos humanos. Ainda hoje, se por acaso você pertencer a tribo dos ashanti, em Guana, ou se tiver nascido entre os Minang-kabau, da Indonésia, nem tem que se preocupar com camas de casal. Entre esses povos, o casal continua a morar com suas respectivas famílias de origem e se encontra apenas ocasionalmente.


E mesmo no Ocidente, essa história dos casais preferirem compartilhar o ninho também é coisa recente. Mais do que isto, até o século 18, casar por amor não só era raro, como ligeiramente “deselegante”. Dormir juntos então…


Já as camas…existem registros de que nós gostamos de criar cantos especiais para dormir desde o Velho Testamento. No Livro dos Reis, 2-4, descobrimos que por volta de 895aC, o profeta visitante seria abrigado “em um pequeno quarto com uma cama, uma mesa, um banco e um candeeiro”.


E no Livro de Ester, 1-6, uns 420 anos mais tarde, encontramos a descrição maravilhada do palácio de Xerxes, o Rei da Pérsia: “As tapeçarias eram de tecido branco, verde e azul celeste, pendentes de cordões de linho fino e púrpura, a argolas de prata presas nas colunas de mármore; os leitos era de ouro e de prata, dispostos sobre um degrau de mármore vermelho e azul e branco e preto.”


É na cama que temos nascido e morrido há milênios, é nela que amamos e que sonhamos. Natural que ao longo do tempo, os leitos tenham sido objeto de cuidados. de adornos e de um certo exagero: dizem que o rei da França, Luis, XIV, aquele chamado “Rei Sol”, possuía 413 camas de todos os tipos, todas riquíssimamente decoradas!


É claro que a nobreza podia esbanjar, mas mesmo entre as classes pobres, a cama era, junto com a mesa, o centro da vida da família. Os quartos sempre foram um luxo, e, mesmo entre os nobres, eram as camas com baldaquinos e cortinados pesados que se encarregavam de proteger a (pouca) intimidade dos casais. Durante o dia, comia-se e recebia-se no leito, à noite, fechavam-se as cortinas e a cama virava um mundo fechado onde alguma intimidade era afinal possível.
Mesmo no Oriente, as camas vivem esta dupla vida de servirem como sofás durante o dia e como leitos à noite. E como deviam ser exibidas para as visitas, quanto maiores as cabeceiras e mais luxuosamente adornados os pés e as pilastras, mais ricos e refinados seus proprietários.
Quem podia, reservava aposentos para servirem como alcovas conjugais, separava os leitos onde nasciam os bebês e os catres onde morriam os velhos e doentes, mas nas casas dos camponeses europeus, não era nada raro haver apenas uma imensa cama, onde dormiam o casal, os filhos, os avós e os criados! E isso os historiadores registram como prática comum na Europa mesmo depois da Primeira Guerra Mundial!


Essa promiscuidade protegida pelo escuro da noite e pelo lusco-fusco dos candeeiros, se para nós é estranha, era comum entre nossos antepassados. No livro Famílias, do historiador Jean-Louis Flandrin, aprendo que na Idade Média, a cama era compartilhada por todos, incluindo os eventuais hóspedes de passagem! E que mesmo os reis protegidos pelos seus cortinados de seda, viviam com uma pequena multidão de criados e familiares amontoados à sua volta, os leitos monumentais servindo como frágil barreira entre o lado público e o lado privado da vida!
Talvez por isso mesmo, as camas fossem tão grandes. Os relatos da Idade Média européia mencionam camas de 2 a 3 metros de largura, descontado o espaço para as arcas que ficavam encaixadas nas laterais e onde se guardavam os tesouros da família. Tão grandes eram algumas dessas camas que tinham que ser contruídas junto com as paredes da casa!
Intimidade e privacidade só mesmo a partir do século 19, quando os casais são convidados a compartilhar o mesmo leito, sem visitantes! Uma prática tão inusitada que em 1913, o próprio rei da França, Luís Felipe, mostrava com orgulho a grande novidade: o leito que partilhava com a rainha, Maria Amélia.


E só com ela!

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